quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Quartas Mal Ditas, dia 5 Janeiro 2011


Aí está a primeira sessão das Quartas Mal - Ditas no novo ano:
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"habitualmente prefiro as curvas"
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5 de Janeiro no Piano Bar do Clube Literário do Porto - Rua Nova da Alfândega
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22 horas
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Convidado especial:
JOÃO HABITUALMENTE
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Leituras por:
Amílcar Mendes
Ana Almeida Santos
Anthero Monteiro
António Pinheiro
Cláudia Pinho
Diana Devezas
Luís Beirão
Mário Vale Lima
Rafael Tormenta
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Música por:
Rui Paulino David
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Guião / Coordenação:
Anthero Monteiro
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Comparece, participa, divulga, por favor.
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BOM NOVO ANO POÉTICO PARA TODOS.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Um beijo enorme



foi um momento de prodígio
olhei-a nos olhos e ela entendeu
teria que dar-me nesse dia
o beijo prometido há muito

nem pestanejou
passou-me de imediato
todos os micróbios que trazia na boca

dizem os entendidos
que são quarenta e dois milhões.

Anthero Monteiro

domingo, 12 de dezembro de 2010

de azul vestida











Femme en bleu
avec guitarre
de
Tamara de
Lempicka



de azul vestida vem trazer-me assim
um retalho lindíssimo do céu
pra que eu saiba que nunca será meu
o céu – ah não o céu não é pra mim

vem ligeira e tão grácil como a lua
nessas sandálias que me lembram asas
para eu te ver flutuando sobre as casas
que o meu lugar é o chão da minha rua

vem desse teu sorriso revestida
natural como um sol nas gotas de água
pra que eu sinta mais fundo a minha mágoa
de não ter visto a terra prometida

vem assim jovial e tão segura
vem sobrenatural como uma deusa
que essa alegria adoce esta tristeza
e que essa graça amaine esta tortura

vem cheia de surpresas nos cabelos
feitos de anéis de vento e de gavinhas
faz-me esquecer que apenas foram minhas
as ondas de pavor dos pesadelos

vem não te importe a minha condição
e não olhes sequer pra onde vegeta
esta figura triste de poeta
que é dono de um inútil coração

tu que fizeste do meu norte sul
não desças mais aqui à minha beira
ergue os olhos e sobe sobranceira
de azul vestida para além do azul

Anthero Monteiro
inédito (01/09/2010)

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Fuga










Fugir-te.
Mas não hoje - hoje não.
Tenho de preparar-me
para o galope branco da fuga

Não posso dizer-me: parto agora
e partir, pronto.
Pensando que ia, teria ficado todo para trás

Pouco posso contra o teu universo.
Não sou Bogart, não sou Brando
não lutaria por uma ideia política.
Pouco posso - talvez um verso.
Ontem ainda teria ido a tempo.
Oferecia-te a flor que me pedes desde o início
fingiria gostar de animais
e, claro, iríamos ao cinema.
Devia ter convivido mais com o teu Bogart, com o teu Brando.
Devias ter tido o cuidado de investigar a atitude dos príncipes
as certezas dos guerreiros
mas quando cheguei
já o teu universo estava repleto

E agora posso pouco - nem mesmo um verso
Hoje não. Mas quando puder
partirei no primeiro barco.
Procuro o sítio ínfimo
onde os melros se matam sozinhos.

João Habitualmente, in Animais Antigos

O fogo do sorriso











Foto in
conscienciaeusou.
blogspot.com







continua a sorrir
pode ser que desponte
também uma fogueira
nos meus lábios

mas fá-lo discretamente
não quero que te prendam
por incendiária

Anthero Monteiro
(inédito)

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Álvaros de Campos tema da Onda Poética


A Onda Poética realiza-se, como sempre na segunda quinta-feira do mês. Em Dezembro, será, portanto, no dia 9, pelas 21.30 horas.
Serão lidos poemas de ÁLVARO DE CAMPOS pelos residentes da tertúlia e, eventualmente, outros no período destinado aos espontâneos.
A sessão terá lugar na sala das sessões da Junta de Freguesia de Espinho,na Rua 23.
Coordenação de Anthero Monteiro.
Interlúdios musicais pelo Grupo de Baladas NOSTALGIA.
Entrada livre.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Eu nunca guardei rebanhos...








In
guardian.co.uk




Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr de sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.

Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.

Como um ruído de chocalhos
Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes.
Só tenho pena de saber que eles são contentes,
Porque, se o não soubesse,
Em vez de serem contentes e tristes,
Seriam alegres e contentes.

Pensar incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais.

Não tenho ambições nem desejos
Ser poeta não é uma ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho.

E se desejo às vezes
Por imaginar, ser cordeirinho
(Ou ser o rebanho todo
Para andar espalhado por toda a encosta
A ser muita cousa feliz ao mesmo tempo),

É só porque sinto o que escrevo ao pôr do sol,
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre um silêncio pela erva fora.

Quando me sento a escrever versos
Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos,
Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,
Sinto um cajado nas mãos
E vejo um recorte de mim
No cimo dum outeiro,
Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas idéias,
Ou olhando para as minhas idéias e vendo o meu rebanho,
E sorrindo vagamente como quem não compreende o que se diz
E quer fingir que compreende.

Saúdo todos os que me lerem,
Tirando-lhes o chapéu largo
Quando me vêem à minha porta
Mal a diligência levanta no cimo do outeiro.
Saúdo-os e desejo-lhes sol,
E chuva, quando a chuva é precisa,
E que as suas casas tenham
Ao pé duma janela aberta
Uma cadeira predileta
Onde se sentem, lendo os meus versos.
E ao lerem os meus versos pensem
Que sou qualquer cousa natural —
Por exemplo, a árvore antiga
À sombra da qual quando crianças
Se sentavam com um baque, cansados de brincar,
E limpavam o suor da testa quente
Com a manga do bibe riscado.


Alberto Caeiro